Dualidade

Tenho medo.
Todas as noites tenho medo.
De não amar demasiado.
De não sofrer demasiado.
De não pensar demasiado.
De não sorrir demasiado.
De não querer demasiado.
Porque não levo a vida em demasia.
A vida é uma passagem e nós estamos a caminho e no caminho.
Mas se consigo sair, também consigo entrar.
E amo demasiado.
E sofro demasiado.
E penso demasiado.
E sorrio demasiado.
E quero demasiado.
E que passagem é esta que tarda em passar?
Em que os segundos, os minutos, as horas, os dias, os meses…
Tudo conta. E é infernal.
E eu olho de fora e vejo o absurdo. O vazio. O ridículo.
E eu olho de dentro e é tudo tão sentimental. Tão emocional. Tão doloroso. Tão sério.
Somos uns tolos apaixonados.
Mas antes, somos uns tolos.
E a linha entre o sério e o ridículo é ténue.
Como é que a imensidão do sofrimento cabe num ser tão pequeno como o nosso?
Tão pequeno e insignificante
Mas tão complexo e importante.
Que dualidade tão enigmática. Tão curiosa. Tão pretensiosa.
E andamos todos à procura do mesmo
Da única verdade
Que nos trouxe aqui
E que nos torna passíveis de tantas emoções e sentimentos
Que nos move
Mas que nos destrói
A cada segundo da nossa existência
E que caminha lado a lado com a nossa morte
Que se dá
Em todos os momentos.
Eu sempre tive medo da morte.
Não sei o que é, nem a que corresponde.
Mas quando vivo em demasia, tenho medo de morrer.
Quando deixo de viver, deixo de a temer.
Olho-a de frente e penso: realmente assustador é estarmos vivos.

Filipa Fidalgo, 04 de outubro de 2024

A saudade é, para mim, um sentimento estranho. Sempre ouvir dizer que diminui com o tempo, que nos vamos habituando, que nos vamos esquecendo, mas, no meu caso, aumenta, surge quando menos espero, instala-se ao meu lado, dói. É estranha a dor da saudade porque, para mim, é física.

António Lobo Antunes