Crescer é um processo difícil que exige um despertar intelectual e emocional que por vezes não é fácil de acompanhar e pode reter-nos num abismo de amargura. Crescer é estar a sós connosco e aprender a viver com essa solidão, e por isso mesmo nos obriga a ser seletivos, exigentes e a fazer um escrutínio atroz de nós mesmos, dos nossos gostos e inclinações, da nossa personalidade, do modo como pensamos, sentimos e agimos no dia a dia, mas também do nosso caráter, do modo como agimos e reagimos em situações críticas que exigem um domínio cognitivo do processo deliberativo e decisivo das nossas ações. Também nos obriga a conhecer o outro, porque com a consciência de nós vem a consciência do outro. E a consciência do outro leva-nos a questionar a sua confiança e a colocar questões como: ‘Posso confiar no outro?’ e ‘O que me leva a confiar no outro?’. A resposta parece óbvia quando caminhamos de olhos fechados, mas quando somos obrigados a crescer, quer por um processo natural de desenvolvimento e aprendizagem, quer por força das circunstâncias, como se costuma dizer, «abrimos os olhos». Abrir os olhos… é irónico como um movimento tão simples e natural pode ser tão complexo e desconfortável. Abrir os olhos é adotar uma nova perspetiva acerca dos factos e perceber que aquilo que tínhamos como uma verdade absoluta era, afinal, uma perspetiva errónea da realidade. Abrir os olhos é o caminho para a consciência de que, no limite, cada um vive para si, para o seu conforto, prazer e bem estar. Posso confiar no outro? Não sei. Pode o outro confiar em nós? Em nós podem sempre confiar, porque nós somos nós, e nós somos honestos, mas o outro… Ah, mal sabemos nós que o outro somos nós! E cá estamos… E continuamos a estar… Queremos o outro quando a nossa solidão nos causa tormento, quando precisamos de distrair a nossa existência com a existência de um outro ser que não o nosso, quando nem o espelho nos é suficiente para refletir a nossa essência porque apenas reflete a nossa ausência.
Crescer obriga-nos a saber estas e muitas outras coisas. Crescer traz o peso dos pensamentos, o peso da consciência, o peso da consciência de ter consciência. Crescer torna-nos solitários e a solidão é assustadora.
Felizmente, é possível abraçar a solidão e dormitar na inconsciência de um viver prematuro, nem que seja por uns instantes. Aí jaz a nossa salvação.
Filipa Fidalgo, 21 de novembro de 2020